domingo, 25 de outubro de 2015

TAIPA - MURILO SANTOS

Estou de volta ao blog para publicar uma série de entrevistas com artistas maranhenses ou radicados no Maranhão, tendo como foco uma ou duas obras significativas de suas produções, de forma contribuir com a socialização da historiografia artística maranhense, bem como do seu acervo visual. A primeira dessas entrevistas é com Murilo Santos sobre a sua obra Taipa, e foi mediada por Adriana Tobias. 

Porém, antes da entrevista, reproduzo um fragmento do artigo de VIEIRA COSTA, Gil. Estética assombrada: um olhar sobre a produção artística contemporânea na Amazônia brasileira quatro assombrações. Publicado na REVISTA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES DA EBA/UFMG: Pós: Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p. 117 - 130, maio, 2014.




Taipa se situa no limiar confuso entre escultura, fotografia, pintura e instalação. Como o título sugere, a obra é uma parede de taipa de mão (técnica de construção rudimentar que usa barro e madeira, também conhecida como pau-a-pique), com pouco menos de dois metros de altura e um metro de largura. A taipa é signo da desgraça de um povo que, sem melhores condições de moradia, desenvolve seus próprios artifícios para responder às necessidades cotidianas. Também é um fragmento do real trazido para a exposição: uma realidade precária. Murilo Santos se apropria da materialidade amazônica, como forma de testemunhar suas modernidades.

Mas, além da forma, a obra traz em seu próprio conteúdo o discurso sobre as questões amazônicas. Nessa parede de taipa o artista gravou, em tamanho natural e em alto contraste de preto e branco, a imagem fotográfica de quatro assombrações. Uma mãe e suas três crianças nos olham de frente, estáticos, paupérrimos, como se fossem eles próprios feitos de pau-a-pique, construções frágeis e vítimas de processos excludentes que se amontoam no decorrer das décadas. Está presente ali uma maldição familiar, herança repassada de geração em geração, como se já estivesse no próprio sangue daquelas visagens humanas. A família que nos observa em Taipa é testemunha do delito: na Amazônia, uma modernidade problemática que traz exclusão e morte. 
Falando agora sobre a entrevista, a obra Taipa, sempre despertou em mim uma grande admiração pela sua inovação técnica e pelo enfoque de temática social, bem como outros aspectos evidenciados na entrevista. Desse modo, enviei as seguintes perguntas para Murilo Santos:

01)   QUAL FOI A MOTIVAÇÃO INICIAL PARA A PRODUÇÃO DESSE TRABALHO?
02)   QUAL A ORIGEM DA FOTO USADA NA PROJEÇÃO?
03)   QUE EQUIPAMENTO VOCÊ USOU PARA FAZER A PROJEÇÃO?
04)   VOCÊ MESMO FEZ A TAIPA (FRAGMENTO DA PAREDE)?
05)   PARA QUE EVENTO FOI PRODUZIDA ESSA OBRA?
06)   ELA FOI PREMIADA?
07)   COMO ELA PASSOU A PERTENCER AO ACERVO DO MUSEU?
Temos abaixo a resposta 01, enviada por ele. E como comentou Adriana Tobias " responde praticamente todas as perguntas".

RESPOSTA 01 - Na época havia uma atmosfera no nosso universo artístico de busca de novas dimensões para as expressões então trabalhadas, fotografia, teatro, etc. Acho que o exemplo da fotografia nesta obra expressa essa busca. É bom saber que a experiência de “Taipa” e outros trabalhos semelhantes que fiz, não representava e não queria que fosse interpretada como uma terceira expressão, digamos assim. Ou seja, uma formulação de proposta que estaria entre a pintura e a fotografia. A intenção era a de manter a obra ancorada na fotografia e experimentar fugir do suporte habitual para mostras que era até então o papel fotográfico. Digo “até então”, pois temos hoje o suporte digital. Com essa obra, com esse conceito, não me senti fugindo da fotografia, da representação do real pelo dispositivo fotográfico.
Porém, na descrição da obra, exigida para a exposição a que ela foi produzida, para o I Salão Maranhense de Artes Plásticas, em 1978, foi: “Reprodução através de pintura e de fotografia sobre cimento”. A descrição da ação física, digamos assim, e dos materiais utilizados, não descrevem exatamente a proposta. O processo técnico utilizado foi: produzir uma foto, tomar a película em negativo e copiá-la em película de alto contraste para eliminar os meios tons, obtendo consequentemente um positivo. Depois desse processo, utilizando um projetor de slides fotográficos, projetar a imagem no painel de taipa. Taipa é um termo regional para a técnica construtiva conhecida em outras regiões do Brasil como pau a pique. A projeção da imagem sem meios tons é como se fosse um mapa e desta forma a pintura torna-se mais fácil. É só pintar as “regiões” do mapa, no caso, as áreas em preto. Utilizei essa técnica em parede de grandes dimensões, mas a proposta na obra em questão foi gerar uma textura pertinente ao tema da foto e “tatuá-la” com uma imagem de seu próprio universo.
O cimento foi utilizado, pois o barro não se sustentava no painel. Lembro que as varas foram adquiridas no Porto de Roma, no bairro da Fé em Deus, onde esse material era vendido para construção de cercas e de casas.
A lamparina adicionada foi questionada por alguns que a consideravam um apêndice não coerente com a escultura, digamos assim, da superfície do painel. Entretanto, ela representa um elemento que possui talvez significado mais pessoal. É um elemento pertinente e ao mesmo tempo externo ao quadro, mas foi necessária à minha própria compreensão daquilo que produzi. É pertinente, pois é um elemento que remete à ausência da luz elétrica e essa ausência, assim como a própria taipa, simboliza a condição de grande parte da população, representada por esta mulher e seus filhos, que estão à margem, que não são alcançadas pelo Estado. Além disso, a presença da lamparina real, comprada numa feira da cidade, elemento por assim dizer conceitual cuja confecção antecede ao tempo de execução da obra e cuja função real é usurpada para assumir na obra a mesma função, porém, simbólica, embora pintada de preto com a mesma tinta com que foi pintada as zonas escuras da imagem, representa no plano bidimensional o ponto de onde emana a luz na cena fotográfica. Mas não somente isso, minha intensão foi tornar esse “apêndice” uma representação de minha própria externalidade física e social à cena, enxergando-a por meio da minha câmera fotográfica. A lamparina é uma referência da “luz” invisível que nos faz decidir no avançar do tempo o instante fotográfico a ser definitivamente retido.   

sábado, 11 de abril de 2015

REVIVESCÊNCIA ARTÍSTICA: O centenário da chegada do pintor José de Paula Barros à São Luís.

“– Era segunda-feira, 5 de abril de 1915, um dia comum para a população da velha cidade de São Luís, a mesma rotina, o mesmo clima, a mesma paisagem. Da Praça João Lisboa era possível ouvir aquele som característico de apitos dos vapores, vindo da direção do porto, um dos locais onde a vida era mais intensa na cidade, com constantes embarques e desembarques de pessoas e produtos. Naquele dia, a rotina não era diferente, havia uma movimentação frenética de passageiros e embarcadiços transportando todo tipo de mercadorias e bagagens.
Em meio àquela agitação toda, um senhor alto, magro, bem vestido, recomendava aos embarcadiços para terem cuidado com suas bagagens. O seu nome: José de Paula Barros, ou simplesmente Paula Barros. Pintor, desenhista, decorador, arquiteto e fotógrafo. Ele acabara de chegar de Belém, no paquete Pará.”

José de Paula Barros



Desse modo é narrada a chegada do artista Paula Barros ao Maranhão no livro Revivescência, obra inédita do autor deste artigo, que resgata do esquecimento o mais importante precursor do ensino e produção artística na São Luís das primeiras décadas do século XX. 
 José de Paula Barros (c.1883-1926) era cearense, mas chegou ao Maranhão, procedente de Belém do Pará. Ele era um artista renomado, havia estudado em Paris, e em Fortaleza havia participado da decoração interna do Teatro José de Alencar. Em São Luís, criou ainda em 1915 uma escola de desenho e pintura que funcionava no prédio que atualmente é sede da Academia Maranhense de Letras. 
antiga sede da Escola de Desenho e Pintura de José de Paula Barros (atual sede da Academia Maranhense de Letras)

Posteriormente, em 1922, ele participou da fundação da Escola de Belas Artes do Maranhão, onde coordenava e ensinava desenho e pintura.
Primeira sede da Escola de Belas Artes do Maranhão e do Casino Maranhense. 

Na São Luís das primeiras décadas do século XX, Paula Barros teve relevante importância na formação de artistas plásticos. Foram seus alunos: Arthur Marinho, Evandro Rocha, Levi Damasceno, Rubens Damasceno, Hilton Aranha, Telésforo de Moraes Rêgo Filho, Amena Varella, Beatriz Varella e vários outros jovens que buscaram formação artística na sua escola, no seu ateliê ou na Escola de Belas Artes.

Retrato de Achiles Lisboa - foto crayon de José de Paula Barros
Retrato de Marcelino Marchado - foto crayon de José de Paula Barros
 Além do ensino, ele produziu dezenas de obras de arte, principalmente retratos a óleo, crayon e foto-crayon; e abriu duas lojas de material artístico: Moldura Elegante e Casa Paula Barros.
Casa Paula Barros (ficava localizada na Rua do Sol. Foi demolida e no seu lugar construíram o Edifício Colonial)

Quando chegou ao Maranhão, Paula Barros era divorciado de Francisca “Jacy” Leal de Miranda com quem teve cinco filhos: Neópolo, Murilo, Rembrandt, Rubens e Rafael, os quatro últimos receberam nomes de artistas famosos da História da arte devido à paixão que ele cultivava pela pintura.
Amena Varella (Amina Paula Barros)
Em 1917, ele casou com a sua ex-aluna Amena Carmem Varella (26/03/1897 – 26/01/1953), que anos depois adotaria o nome artístico “Amina Paula Barros”. Tiveram quatro filhas: Maria de Lourdes, Zilda, Maria Frassinetti e Maria de Nazareth.
Bandeja decorada internamente na técnica Louzimana

José de Paula Barros faleceu precocemente, aos 27 de fevereiro de 1926, vítima de uma crise de enfisema pulmonar. Quanto à Amena, esta também se tornou professora, artista e comerciante; criou uma técnica de pintura intitulada LOUZIMANA (nome formado a partir das letras/sílabas iniciais dos nomes das suas quatro filhas: Lourdes, Zilda, Maria Frassinetti e Nazareth.); 
fundou a Escola Paula Barros; realizou exposições em diversas partes do país; e é considerada a primeira mulher a ter destaque no panorama artístico maranhense.
Foz do Rio Anil - José de Paula Barros


Foz do Rio Anil - Amina Paula Barros



 Hoje, 5 de abril de 2015, não deveria ser um dia comum para a população da velha cidade de São Luís, e sim um dia para lembrarmos do centenário da chegada de José de Paula Barros por toda a sua contribuição para o panorama artístico maranhense no século XX. No entanto, ele e Amena Varella são lembrados apenas por seus descendentes e pelos poucos estudiosos da história da arte no Maranhão.

(Artigo publicado na edição do dia 05/04/2015 do jornal O Estado do Maranhão/Alternativo)